quinta-feira, 5 de abril de 2007

Blog da memória! Já valendo pro DIÁRIO que devo entregar!

Quais são minhas lembranças?
Maquete de ciências do homem na lua (é bem onde eu vivo com a cabeça!)

No terreno de areia branca fina que arrumamos, tinha as pegadas de Armstrong feitas com palito de palitar dente, plantamos uma bandeira dos E.U.A. no centro, acredito que com algo mais decente do que pauzinho de picolé. Enxarcamos a lâmina fina de isopor de 1 m com cola branca e jogamos a areia por cima pra que aderisse. Mas, quase nada ficava, e tínhamos que rezar muito na hora da apresentação pra não bater um vento forte no pátio e soprar tudo pros ares enquanto levávamos de maneira triunfal a maquete para o nosso recinto de apresentações: um cubículo de 3 x 3 m imaginário de que não podíamos arredar pé, por perigo de repreensão da madre superiora. É, estudei em colégio de freira, ainda tinha madre superiora enchendo o saco da gente, botando ordem nos corredores que davam para as salas, fora do horário de recreio. Mas, quem botava a mão na massa mesmo era a Tália, capacho dela, a general de plantão, a figura mais antipatizada da escola. Aliás a arquitetura do Colégio Imaculada é uma coisa muito interessante. Tem uma parte meio fantástica que me amedrontava um pouco por estar no subsolo. E era lá que ficava o laboratório de ciências. Eu botava a cara naquela janelinha miúda pra minha curiosidade, fazendo meus olhos ficarem maiores pros lados, espichando até a madeira da porta na divisa com o vidro, mas não tinha jeito, o que eu via tinha limite. E dava mais vontade de entrar. Era surreal ver aqueles vidros gigantes, cúbicos, com fetos mergulhados em líquido transparente, boiando na superfície. E bichos. Uns empalhados. Era assustador o mistério da vida. Não era tanto um espetáculo de horrores, era mais um atentado à vida em exposição pública que me horrorizava em alguma parte chamada ética. Ao mesmo tempo que era um lugar do maravilhoso, era um lugar do anti-ético, eu devia estar aprendendo essa palavra na época. Era um lugar do proibido moralmente, aqueles bichos todos, e vidas humanas, e suas partes, não podiam estar ali expostos ao nosso olhar. Isso me doía mais que tudo. Nem pensar em falar desses meus sentimentos com meus coleguinhas, longe disso, eu era muito surreal. Enquanto não podíamos entrar para a aula inaugural de ciências, eu sofria de abstinência de um futuro que eu ainda não conhecia. A porta de acesso principal, por que descíamos um lance pequeno de escadas, e dobrávamos pra esquerda pra pegar o corredor em que estava o meu espaço sagrado laboratorial, passou a ficar quase sempre fechada. Antes esse caminho era livre pras aulas de vídeo, que inventaram pra nos ensinarem catecismo e educação sexual. Mas, as aulas acabaram. Acabou a minha regalia esporádica de espiar pelo quadrante mágico o interior do laboratório, acesso exclusivo dos alunos das séries mais adiantadas. Toda vez que íamos pra sala de vídeo, passávamos em fila indiana em frente à porta do meu sagrado laboratório, cada vez mais longe. Agora até na hora do recreio, quando ali se tornava um lócus de passagem das faxineiras e não dos alunos, os portões da imaginação estavam fechados. E eu tentava burlar isso, de uma maneira até compulsiva. Descobri que tinha um outro jeito de chegar até o Inferninho, passando pelas costas da entrada da administração, depois de descer um pavilhão de escadas que me levava ao nível subterrâneo. Era uma geografia inexplorada e inacessível aos alunos, e eu só consegui me aventurar nos primeiros cinco lances de escada e voltar pra trás, morrendo de medo de ser pega pela psicóloga, cuja sala ficava ao lado. No mais, arriscava uma fugaz estrepulia, ficando dependurada no braço do para-peito escorregadio de mármore, pra ver a longa queda que dava nos retângulos do piso de madeira do meu corredor misterioso lá embaixo.
(obs: não tem 'estrepulia' no dicionário Aurélio do século XXI! Claro que não é 'estrepolia'!)

Eu vivia inventando essas 'passagens' nos meus sonhos! E na vida real, nessa tentação dos corredores, dava um jeito de escapulir da disciplina rígida de horários de aula, recreio, gincanas, datas comemorativas do calendário cívico, religioso e aniversário do colégio (esses com direito a missa na capela e ‘palinha’ da madre Poetas ao piano) só pra me aventurar nesse novo caminho.

Madre Poetas

Esse piano ficava escondido no canto escuro da parede, atrás da porta, numa via de acesso pela escada, meio clandestina, que dava para os corredores da parte nova do colégio recém-construída. Por uns tempos essa passagem ficou aberta pra gente, facilitando voltar do recreio pra sala de aula, mas depois foi fechada. Trancaram à chave e só o piano ficou lá dentro, mofando pro resto da vida. E madre Poetas nunca mais deu sua ‘palinha’. Me lembro dias antes desse enterro final da passagem secreta, madre Poetas sentada no banquinho, seu hábito branco, mal desenhado contra a penumbra do "quarto-de-sótão", dedilhando ainda umas notas, que queriam ainda sair alegres, mas falhavam, finas, o piano já sem força.
Sonhei muito com essa passagem!
... e eventos religiosos, reuniões de pais, festas do calendário folclórico e festivo como a festa junina, a mais badalada do ano. Quando a lojinha de material escolar foi pra lá, no subsolo, acabou com o meu encanto. Já não era mais o mesmo lugar misterioso de antes. Tinha gente zigue-zagueando pra tudo quanto é canto com pilhas de caderno, livros, estojo, merendeira carregados debaixo do braço, bolsas e mochilas escolares, mães, crianças, empregadas, tios, funcionários, fervilhando o corredor do Inferninho. Abriram um buraco na parede que dava pra rua e a claridade tomou logo conta de tudo. E ainda quando vi uma faxineira saindo do quartinho de material de limpeza com uma vassoura na mão, balde e pano, fiquei ainda mais decepcionada. Não sabia que ali era quartinho de despejo, igual o que tinha lá em casa, não tinha inventado ainda um nome praquele quarto que vivia fechado no final do corredor do laboratório. Cadê aquele refúgio solitário e mágico, isolado do mundo, de um pesquisador! E pior ainda - foi a morte derradeira -, quando o laboratório saiu dali e se aposentou no andar superior aos olhos de todo mundo. Minha fantasia desmoronou. Acho que nunca mais quis ser cientista. A única sobrevivência que tive daqueles dias de glória foi quando entramos para o turno da tarde, acho que na quinta série, e usamos jalecos brancos nas aulas de ciências, uma espécie de rito de iniciação da maioridade, numa sala muito maior que a antiga, menos mágica, muito mais ascética, e cheia de mesas compridas com banquinhos e um quadro negro, por cujos espaços nos esgueirávamos naquela geometria labiríntica dos quadrados, desse percurso que faziam as vezes de corredores abertos por nosso recalcitrante caminhar e abaixar de cabeças por entre os instrumentos de medição, bússola, barômetro, esquadro, ampulheta ... minha memória agora fui refrescando através de um ‘site de material de laboratório de física e química’ e, imediatamente, me lembrei das aulas em que a gente ia manuseando esses instrumentos tolos, com todo o cuidado do mundo, e estranhando a todo momento, os nomes difíceis de serem guardados. Como esses aí embaixo, de que me familiarizei logo, transportada no tempo:
Balão de Kitasato - pornográfico! Técnica japonesa
Bico de Bunsen - pornográfico!
Bureta - pornográfico!
Funil - pornográfico!
Funil de Buchner - pornográfico!
Funil de decantação - pornográfico!
Pipeta graduada e pipeta volumétrica - pornográfico!
Suporte de tubos de ensaio - pornográfico!
Tubo de ensaio - pornográfico!
Tubo de vidro - pornográfico!
Vareta de vidro - pornográfico também!
Condensador - ??

..........................SEX SHOP



NAQUELA MAQUETE DO HOMEM NA LUA tinha alumínio e bonecos playmobil. Me lembro como aquela pegada me impressionava. Era das imagens que eu mais olhava na Barsa. Por esses dias, eu tinha uns 13 anos, desenhei um satélite tirado de lá. E, mais pra frente, na mesma época, um Lorde Byron, por conta do meu interesse no romantismo trágico, dos poetas malditos. E fora que a beleza dele era quase feminina, ao mesmo tempo grega e sensível. Eu vivia consultando a Barsa pra buscar biografias de famosos (Humboldt, Lord Byron, Newton, Montaigne, Descartes) perguntas e respostas sobre os fenômenos da natureza (o eclipse lunar, a luz, a chuva, a trovoada, o terremoto, o vulcanismo, curiosidades sobre os animais: por que a coruja enxerga de noite, o radar dos morcegos, a colméia de abelhas, a teia de aranha ... e tinha toda a coleção de literatura clássica européia da Abril Nova Cultural encadernada em edições especiais de capa dura. Os livros sempre inundaram a minha arquitetura mental. Pra eles tenho o quarto dos eleitos, tudo com uma inocência pra lá de inacreditável! Walt Disney e Monteiro Lobato brilharam na minha constelação de personagens infantis e no panteão das divindades da Criação.
Eu sempre me impressionei com as coisas fantásticas, macro ou micro.
Mas, minha memória sempre foi péssima! Se eu lembrasse de tudo que li!

Plantei o feijãozinho, fiz a experiência do ovo entrando na garrafa, virei o copo pra baixo segurado só pelo papel, fiz coleção de tatu-bolinha, matei muita lagartixa pra minha mãe, parti minhoca no meio pra ver se nascia outra, procurei minhoca de duas cabeças, nunca achei, de noite botei plástico na planta pra ela morrer sufocada e ver aquelas gotículas de desespero se formando nas paredes de plástico sádicas, e só desamarrava de manhãzinha, passei com roda de bicleta em cima de tapete de taturana multicolorida no passeio, no início com o maior gozo, depois morrendo de remorso, e por fim defendendo a ecologia contra os meus colegas de rua mal conscientizados, brinquei com sombra na parede, prendi besouro no vidro e coloquei álcool pra ver o que acontecia (nada), antes parti ele no meio com uma faca abri e não tinha nada ????? só ar! Cadê os intestinos, estômago, todos aqueles órgãos do abdômen? Como é que esse cara vivia?! ???? Caramujo de jardim, pus no vidro também. E hoje não sei por quê ainda tenho uma bruxa presa num vidro de azeitona aqui em casa! Aliás minha casa é povoada de casulos de mariposas. O banheiro é onde elas mais gostam de botar os ovos. Fica aquela fileira organizadinha de bolinhas formando um quadradinho. Antes eu matava lagartixa, agora tô matando mariposa. Não dá, é muita mariposa aqui em casa, das pequenininhas, que não me deixam dormir. Ficam zanzando de um lado pro outro do quarto e me irrita! Acabo matando, e se não matar é capaz de virar um enxame. Adeus minha solidariedade com os bichos, carne da minha carne. Outra curiosidade que eu buscava - até há pouco, nas enciclopédias (agora virtuais) - eram os processos de metamorfose da lagarta em borboleta, e numa dessas descobri que borboleta não era a mesma coisa que mariposa. Fiquei encantada com a vida das mariposas e sua relação com a lua, as voltas em elipse buscando orientação na luz. É que a luz das casas da cidade as confunde em relação à luz da lua, que é a luz natural que elas tendem a seguir. Aí ficam dando voltas desgovernadas em volta das lâmpadas pedindo socorro por uma orientação ... não é diferente de mim ... enganadas pela luz artificial acabam morrendo queimadas nas armadilhas dos holofotes. Isso eu aprendi na Barsa, mas tinha esquecido!
Aos 13 anos fui parar na biblioteca pública, a Luís de Bessa, me internando lá com os livros do Freud . Não entendia nada do que lia, mas achava que entendia tudo! Não é nada diferente hoje! 'Froid' (é como está escrito no papel) voltou num desenho meu com data rabiscada "outubro 1986". Esse desenho eu guardei! A intenção minha não era desenhar o Freud, mas foi o formato que o desenho da cabeça foi ganhando no meu imaginário hiperinflado de coisas macro. Fica fácil assim se sentir um 'inseto'!


"'Froid' outubro 86"

VER 'DIÁRIO' DE PONTORMO

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