quinta-feira, 5 de abril de 2007

Dialética e Melancolia

"(...) Segundo Klibansky , o gravado Melancolia § I, é herdeiro de toda uma tradição iconográfica medieval, pois esta gravura traz elementos já fixamente representantes da melancolia e de sua relação com Saturno, o deus do tempo, que no contexto medieval foi fortemente identificado com o comportamento melancólico, bem como sintetiza as opiniões correntes sobre o tema, com fortes influências neoplatônicas, chegando a ser identificada como a representação pictórica da melancolia teorizada e descrita por Marsilio Ficino, em De Vita Triplici, obra com a qual Dürer poderia ter entrado em contado através da interpretação de Cornelius Agrippa de Nettesheim. A presença do puto é interpretada como a figura de Eros, que é onde se concentra o problema maior do melancólico, em sua dificuldade de escolher o seu objeto de desejo, conforme o que a psicanálise desenvolverá posteriormente, e relembrando a ligação deste com sua mãe, na mitologia greco-romana, Afrodite, que tem em seu nome a partícula afros, espuma, pois teria nascido da espuma do mar, o sêmen de se pai castrado, Saturno, identificando a propriedade volátil e aérea que Aristóteles imputava a bile negra assim como ao vinho, os dois líquidos, ou humores, a determinar o comportamento humano. Este é um elemento muito importante de corporeidade em uma alegoria que sempre é identificada com uma transcendência sem corpo, um abandono do mundano em prol de uma elevação intelectual ou espiritual, como a melancolia. Na época que representa o auge do gênio e da originalidade, Dürer realiza o prodígio de consagrar-se através da releitura de toda uma tradição iconográfica, deixando residir sua originalidade na capacidade alegórica, no fazer uma obra iconográfica conter também toda a força e a beleza de uma obra de arte, o que ultrapassa os ícones medievais, que não queriam deleitar os sentidos, mas apenas comunicar uma idéia. O sucesso de Dürer residiria justamente em ultrapassar as barreiras do meramente iconográfico e atingir o alegórico. O que contrasta com o que diz Yates sobre a gravura São Jerônimo em sua cela, que por sua vez, não seria tão simbolista quanto Melancolia § I, fazendo com que o seu sentido seja dado pela apreciação da obra inteira, pelo contexto transposto na imagem e não tanto pela análise de cada elemento que consta em sua cena.Traça-se, aqui, uma insinuação interessantíssima: a de que, através da interpretação do De Vita Triplice feita por Cornelius Agrippa de Nettesheim e das correspondências de Ficino, editadas em 1497 por Antón Korberger, padrinho de Dürer, as teorias da melancolia da época tivessem influenciado também outras duas obras de Dürer , a saber, São Jerônimo em sua Cela e O Cavaleiro, a Morte e o Diabo, todas gravados que, juntamente com Melancolia § I, integrariam a tríade de ilustrações descritivas do estado melancólico e de suas potencialidades. Estas teorias postulavam três virtudes diferentes, divididas em Virtude Teológicas, Virtudes Intelectuais e Virtudes Morais . A estas categorias de virtude correspondem, respectivamente, diferentes fontes de melancolia: aquela oriunda da Imaginatio, propiciadora das artes e dos artistas, da criação, símbolo da inspiração divina; a Ratio, desencadeadora da intelectualidade, presente em filósofos e cientistas e, por fim, Mens, a virtude moral que permite resistir aos solavancos da melancolia e manter a reta conduta sem precipitar-se no abismo da loucura. A estas três situações melancólicas e categorias de virtude estariam diretamente relacionadas as três figuras citadas, Melancolia § I como representante da virtude teológica, o dom da criação, tão incontível que o sujeito quase não consegue sair do estado imaginativo para efetuar a ação; São Jerônimo em sua cela a representar o estudiosos, o filósofo, o tradutor, aquele que é dedicado ao serviço intelectual para aplacar sua dor ou para sondar-lhe as causas e O Cavaleiro, a Morte e o Diabo como o símbolo máximo do triunfo da virtude moral sobre as tentações e maldades do mundo, apresentado o cavaleiro triunfante e confiante passando indiferente pela morte a perscrutá-lo com a ampulheta inexorável do tempo e pelo diabo que não exerce sobre ele a mínima influência. Segundo a interpretação de Panofsky e Yates , Melancolia § I seria o primeiro dos três estágio da melancolia, passando para o Cavaleiro, a Morte e o Diabo, como estágio secundário e culminando em São Jerônimo em sua Cela, para representar o auge o comportamento melancólico, a melancolia inspirada. Isto, porém, não respeita a cronologia da composição das obras, e desconsidera a estruturação dialética de que o que vem primeiro, no caso Melancolia § I, mas em Platão os Primeiros Princípios, e em Hegel o Absoluto, é sempre o mais elevado".

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