quinta-feira, 29 de março de 2007

Padre Antônio Ribeiro Pinto: o milagreiro de Urucânia

Fotos: Flávia
Túmulo com os restos mortais de padre Antônio de Urucânia Localização: Santuário de Nossa Senhora das Graças

Estive em Urucânia a serviço da Miguilim pra fazer umas fichas de inventário da festa da Romaria de Nossa Senhora das Graças, que acontece no dia 27 de novembro. Acordei às 5 horas da manhã pra tirar essas fotos no Santuário, com medo de (já pela manhã) encontrar a capela de velas apinhada de gente . Exagero meu, excesso de precaução e preocupação, marinheira de primeira viagem, como quiserem ... o fato é que não era preciso tanto! Ainda estava escuro! Eu podia ter dormido mais um pouco!
Bom, essas reproduções de fotografias ficam emolduradas nas paredes de azulejo da capela de velas (foto abaixo) dedicada aos pedidos feitos à Nossa Senhora das Graças, sob o intermédio das bençãos do padre de Urucânia, o divulgador de sua devoção. Essa Nossa Senhora é aquela primeira que foi levada para o Santuário, e lá esteve por anos, sendo celebrada ... onde estará? Atualmente há uma outra imagem seriada que é carregada na procissão de benção no dia da romaria.


"O que pretendemos realizar neste ano de 1967 é terminar o fundo do Santuário, onde futuramente será de um lado a Sacristia e do outro, provavelmente uma sala. Aos 9 de abril, aniversário de ordenação sacerdotal do Revmo. Pe. Antônio Ribeiro Pinto, a imagem de Nossa Senhora das Graças, por ele benta, será levada solenemente para o Santuário, ficando na parte que está terminada em um trono provisório". Trecho do livro de Margarida Drumond de Assis: Padre Antônio de Urucânia e sua benção".

A Construção do Santuário:
"Pe. Antônio deixou exarado em 01/05/60: 'Como ponto final de minha humilde obra no mundo, estou vivamente empenhado na construção do Santuário de Nossa Senhora das Graças em Urucânia, para o que apelo para os seus devotos, que assim retribuirão um pouco do muito que Ela tem dispensado ao Brasil e à humanidade". Nota afixada no mural do Museu Padre Antônio Ribeiro Pinto.



Foto: tirada do livro de Margarida Drumond de Assis, "Padre Antônio de Urucânia e sua benção".



veio passando pela cabeça:
o caso de Urucânia já é mais dentro desse quadro que atinge as pequenas cidades interioranas à margem dos processos de urbanização desenvolvimentista, em meados do século XX, já na sociedade de mercado capitalista periférico consumista pós-industrial consolidada. É um sacerdote que gera conflito no seio da ortodoxia da Igreja e que é duramente incorporado por ela. Ruim com ele, pior sem ele. Ele é mártir pras camadas populares. Tira o brilho mesmo de Nossa Senhora, mas como é adorador dela fica sendo aceito por pura conveniência. Aliás é o culto mariano que faz sua fama, é uma relação de mão dupla. Afinal o que seria do Pe. Antônio se não existisse Maria? Os devotos continuariam a ir lá? Saberiam da sua existência? Precisou ele falar no nome de Nossa Senhora pra ganhar o lugar de seu 'facilitador''/mensageiro. Mas, não toma o lugar dela. É ela que intercede em nome de Deus pela causa pedida . É fama de milagreiro que ele tem. 'Não é ele que faz o milagre' - isso é o que a Igreja quer entender e se fazer crer, mas tem muita gente que acha que é! E aí como é que a gente fica?
Como acha que é? Fica tocando nas coisas dele, reza é pra ele, conta os milagres dele, manda carta pra ele, presentes ... e aí? É Nossa Senhora? É pra ela isso tudo? Mas tem pra ela também, espera aí! Não carregam o andor na procissão? Não vão à missa participar de certas partes da liturgia? Ficam o dia todo celebrando os Sacramentos do Santíssimo! Tudo bem que no meio da missa vira uma bagunça, uma zoeira, um vozerio, uma passação de gente pra tudo que é lado, uma cantoria desgraçada, um negócio de testemunhar lá na frente no lugar do padre milagres alcançados, uma ladainha danada na frente da santa, uma tocação na imagem dela, beijação de pano, negócio de ficar mandando bilhetinho, rezar baixinho, vestir os meninos com as roupas dela, nas mesmas cores e adereços - que sacanagem com os anjinhos, tem uns até que vão de shortinho, mas tem outros que nem isso, coitados! O tradicional que é acender vela, oferecer flor nos pés da santa, incenso, água benta pelo padre para passar onde é que for, o escapulário, o terço, a cruz, tudo isso fica pequeno no meio de tanta devoção carnal com a santidade.

Foi só eu subir no morro do santuário (na colina) que vi aquela imagem esquisita no meio da paisagem, no alto, contra o céu, parecendo assombração, fazendo o quê ali no nada, isolada, e um tanto de gente sentada, agachada por ali debaixo daquele altar ou andaime de cimento que sustenta a estátua de pedra-sabão de uns 20 metros de altura. Aquela gente apinhada, num silêncio danado, só muxoxando, passando o dedo nas contas, com dor no pescoço de tanto olhar para cima, as pernas doída de ficar agachado tanto tempo, e o dinheiro indo embora porque o pedido vai mais vezes. Fiquei mesmo espantada com umas cabeças que vi bem debaixo do andaime, postas no chão, parecendo macumba: o que que é issu, meu Deus? Eu queria saber, pra que que serve? De que que é feito? (cera, depois vi), é um ex-voto! Mas, ali? Quase que debaixo de chuva? ... que o tempo tava ruim ... ameaçando enlamear tudo. E o povo lá, rezando, em família, ou separado, uns com a bíblia aberta em oração, outros com a mão estendida em sinal de pedido com o terço caindo por entre os dedos, quase não balançando de tanto que o absorto estava tomado pelo pedido da graça, de olho apertado ou às vezes contemplativo. Era muito bilhete que ia depositando num arranjo de flor improvisado sobre a estrutura de ripa do andaime, com um balaio ali sempre esvaziado, pelo jeito, pra dar conta de tanto pedido. Pouco pra essa época nossa, agora; que antes, se rolasse bilhetinho na idade média, ia dar pra mais que a vista alcança. Tinha fitinha de mensagem piedosa, com nome de santo sendo distribuída por mendigo aleijado, e mulher pedinte na subida do caminho com turbante na cabeça, saia de pano velho, descalça, com a mão estendida direto parecendo cigana. Achei aquilo muito estranho! É realmente eu não estava acostumada. Era uma visão esquisita. Depois fiquei de saco cheio de ficar ali sem fazer nada, e o povo continuava, uns iam embora também, lá embaixo gente ainda subia.
É curioso que ele mesmo não recebeu nenhuma graça de Nossa Senhora, a não ser o dom de fazer chegar a ela por seu intermédio a graça requisitada por um devoto. Em agradecimento pela graça alcançada se oferece um ex-voto à santidade demiúrgica, mas a mensagem tem que sair direitinho com assinatura e digital do pedido pra não ter perigo de errar o endereço e a encomenda sair outra, mal interpretada, correndo o risco do pagador sair ainda com dívida. Tem que ser bem dada em nome de sacrifício. A fotografia nisso é hoje imbatível. E se o reforço do pedido feito não passar pela benção do padre não tem mais a mesma força, que a Nossa Senhora lá em cima é bem possível que não escute. Tem que ir por ele e do jeito certo, sem mentira. Dizem que age por meio dela. Não aconteceu com ele nenhum milagre como os que se ouvia falar na época da colônia em que se achavam as imagens nas grutas, florestas, rios e montanhas. Não tem um milagre fantástico desse tipo pra contar! É de outro tipo, em que ele é visto como vidente, capaz de premonição e é capaz de que se rogar praga é capaz de pegar, espécie de feitiçeiro, que advinha o que vai acontecer e dá o aviso pra o desavisado ter a chance de se safar. Muita gente que recebeu sua benção por imposição das mãos ou palavra sussurrada ,feito mágica, saiu de lá curada; ouviu conselho que era pra ter bom comportamento, não facilitar o caminho da descida e não cair no vício. Fez muito milagre à distância, sem contato com o agraciado, só com a força do pensamento e por meio dos pertences desse abençoados. De milagreiro vira vidente, demiurgo. Onde está a santidade tradicional? A prova do milagre divino? É aonde se diz que muito disso aí é crendice, superstição, conto do vigário, charlatanismo, sacrilégio, heresia, . No meio disso tudo, tem relatos engraçados, estórias sem pé nem cabeça, casos repetidos, que dizem já virou lenda, aparições ditas absurdas, ou pra outros mais um sinal de hierofania. É só mesmo a vontade dele, a oração dele, ele se pegar com Nossa Senhora no terço, e saudá-la nas suas bençãos e penitências, como seu servo, para ter a sua intercessão concedida, a ponto de dedicar-lhe um santuário. Ele é muito querido pelo povo pelo seu modo de vida à maneira dos santos mártires: uma vida de sofrimento do nascimento à morte: primeiro com a infância marcada pela diferença social de ser filho de escravo; depois em vida adulta pelas expulsões que sofreu dos lugares por que passou, sendo perseguido pelas autoridades eclesiásticas e dogmáticas, sofreu também tentações da carne como o vício da bebida, contra que sua retidão conseguiu domá-lo; e, enfim, na morte foi testado pela doença, resignando-se ao seu destino na certeza de que os padecimentos do corpo na terra são sinal de força do espírito.


Fotos e texto: Flávia
















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