sábado, 9 de junho de 2007

A COLHEITA DOS RASTROS

professora de filosofia Jeanne-Marie Gagnebin reflete sobre a memória e o esquecimento
Memória, história, testemunho
Questão enfrentada por Benjamin e ainda atual: fim da memória tradicional e das "grandes narrativas".
O Narrador e Experiência e Pobreza: os dois ensaios em que Benjamin coloca a questão da perda ou declínio da experiência. Benjamin parte da lenda do vinhateiro para valorizar a interpretação segundo a qual há uma transmissão a ser passada de geração a geração de cunho COLETIVO. Refere-se a uma MEMÓRIA VIVA. Benjamin vê nessa fábula a perda da experiência e da narrativa tradicional. Agora, o contexto a que Benjamin está se referindo ao falar dessas perdas é um processo histórico que culmina com as conseqüências advindas da primeira guerra mundial, que silenciaram os traumatizados. A experiência do trauma é uma das conseqüências do horror da guerra e leva ao esquecimento. Há coisas que não querem ser lembradas, então, cala-se; porque as palavras não são suficientes pra 'descrever' o horror da experiência.
Benjamin desenvolve dois pontos que levam a essa perda da memória: por um lado, os desdobramentos das forças produtivas e da técnica na direção do capitalismo, e por outro lado, a memória traumática (a experiência do "choque"), no sentido de que a memória e a palavra não assimilam o choque. (Mas, eu pergunto, aqui não seria mais adequado usar "apagamento" em vez de "esquecimento"?)
Benjamin citou o poema de Bretch "apague os rastros".
Os homens deixam rastros em memória dos mortos. O poema recomenda não deixar rastro algum. Deixa morrer. Sepulta o rastro. Os mortos que como disse Heródoto os homens "não podem deixar cair no esquecimento".
Em O Narrador Benjamin defende uma narração a partir das ruínas da narrativa. Uma "transmissão entre os cacos de uma tradição em migalhas": uma renovação da problemática da memória. O que sobrou dos grandes narradores no mundo? O narrador pode permanecer, mas é uma figura muito menos poderosa. É um anônimo.
A construção do novo discurso histórico: há que se falar o sofrimento. Uma das sobras é o que ficou falado. Agora tem que destravar a língua dos traumatizados. A literatura de testemunho. Cavucar o passado, a memória do horror. Apesar das vítimas não quererem lembrar os historiadores estão cutucando. Outra sobra são aqueles que tiveram os nomes esquecidos em meio ao anonimato gerado pela pobreza. Esses têm que falar também. Estão nos asilos, nos presídios, no lixão (vivos ou mortos), no canto da rua, ... e, por fim, a sobra que são os 'fatos' esquecidos da tradição mesmo. Refrescar a cuca das classes dominantes e da elite tradicional, vide tempos áureos do Minas Tênis Clube na rodinha tradicional das elites mineiras. Isso tudo cria um mercado que é uma beleza! O povo tá nadando de patinho na cultura!
Mas, realmente tem essa questão: como narrar o que não deixou rastros? Essa história é inventada? E pra quê?
Testemunha significa se colocar no lugar do outro, a ponto de se identificar com ele, e não ir embora, e suporte a narração insuportável. Não só testemunha, então, no sentido ocular.
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Olhe em volta de Belo Horizonte e veja o que são hoje cacos! E dê um nome a eles. Narrar a narrativa dos esquecidos, as lembranças deles em objetos e palavras.

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