segunda-feira, 4 de junho de 2007

TECNOLOGIAS DO OLHAR OU A "ALFABETIZAÇÃO DO OLHAR": o império da visualidade

"Por que ainda a questão da teoria do espaço público? Trata-se sobretudo de uma questão epistemológica. Uma epistemologia da história das mediações tecnológicas e simbólicas pecaria certamente por defeito se não operasse à desconstrução do(s) espaço(s) produtores de hierofanias e ficções. Da cena para a rua, da catedral para a feira, do atelier do tipógrafo para o café, do salão para o domicílio, enfim, do público para o privado, em última instância, é no pulsar de todas estas redes de sociabilidade, destes lugares de quotidianeidade que emergem os rostos e as máscaras das sociedades, os seus símiles e simulacros, e por onde passam as estratégias normativas, de poder, e reivindicativas - ou de "resistência".É exactamente sobre o final da Idade Média - altura em que se verifica o acentuar da divisão entre esfera pública e esfera privada (na alta Idade Média não há ainda uma esfera pública autónoma separada da esfera privada - o que há é uma "publicidade representativa" do monarca ou do senhor feudal simbolizada através do selo régio, por exemplo, ou por toda uma fenomenologia imanente ao corpo jurídico do rei ou à sua publicness), mas é, dizia, sobre o final da Idade Média, que, nomeadamente através de Huizinga, se havia já apontado a emergência da visualidade: «Um dos traços fundamentais do espírito do declínio da Idade Média é o predomínio do sentido da vista» 1.Vários historiadores atribuíram ao período que se segue ao século V a.C., na Grécia, a introdução da ordem visual na escultura, na ciência e na literatura. McLuhan abordava a questão de um outro modo: «Do ponto de vista da aguda e intensa consciência que hoje temos dos componentes visuais da experiência, o mundo grego afigura-se tímido e tacteante. Nada existe, porém, na fase manuscrita da tecnologia alfabética, que fosse suficientemente intenso para romper o globalismo sensorial e separar inteiramente o visual do táctil. Nem mesmo o alfabeto romano teve força para fazê-lo. Foi somente com a experiência da produção em massa de tipo exactamente uniforme e repetível que a fissão dos sentidos ocorreu e a dimensão visual se separou dos outros sentidos» 2 . E explicitando melhor a sua posição em relação ao que chama de "fissão dos sentidos": «O que é necessário é saber porque é que o desenho primitivo é bidimensional, ao passo que o desenho e a pintura do homem alfabetizado tendem para a perspectiva. Sem tal conhecimento não podemos compreender porque é que o homem deixou de ser 'primitivo' ou audiotáctil na tendência dos seus sentidos. Nem poderíamos chegar a entender porque é que o homem desde Cézanne abandonou o visual em favor dos modos audiotácteis da experiência. Esclarecida essa questão, podemos abordar mais facilmente o papel que tiveram o alfabeto e a tipografia na atribuição da função dominante ao sentido da visão na linguagem e na arte em toda a extensão da vida política e social»

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