terça-feira, 22 de maio de 2007

INTERVENÇÃO E IMAGENS AGENTES: o tênue limite entre arte e ideologia

LENI RIEFENSTAHL



A Leni não chegou num momento qualquer no partido nazista. O Hitler já tinha tirado de campo todos os inimigos do caminho - os social-democratas e socialistas da esquerda alemã, além dos rebeldes da SA - e contava com uma máquina do estado, por meio do Ministério da Propaganda da República de Weimeir, pra financiar e apoiar seus planos propagandísticos. Ele investiu então na cineasta, que foi convidada por ele pra cuidar da construção de sua imagem como um vencedor. Ela daria um toque de profissionalismo e talento nos documentários a serem produzidos dali pra frente. A ocasião ideal pra que ela cumprisse a sua missão foi vislumbrada para uma reunião do partido nazista, em 1934, em Nuremberg, quando Hitler via a situação ideal pra se apresentar como o único e soberano dirigente do partido nazista e, não só do partido nazista, mas também da nação. Foi ela que fez esse serviçinho, muito bem feito, por sinal!

O DOCUMENTÁRIO
Linha: documentário verdade

cenas: 12
mensagens: disciplina, ordem, raça

paradigmas cristãos: messias (Salvador: evangelhos e apocalipse) e herói (Ziegfried e os 1000 nibelungos)
cenas de abertura: Estádio lotado, duas fileiras de milícias, como uma alusão à passagem de Moisés sobre o Mar Vermelho à frente do povo escolhido em direção à Terra Prometida.



Ao fazer o documentário Leni é responsável pelos devires em que se insere sua intervenção? Até que ponto ela estava ali, como artista, só desempenhando um trabalho estético, desvinculado do político - como ela mesma declara em entrevista - alegando não ter tido ligações com o partido nazista ...?
Ela está a vontade diante das câmeras certa de que suas imagens não agiram potencialmente a favor de uma ideologia nazista. Como se qualquer desvio que, porventura, suas imagens tivessem suscitado naquele momento político da Alemanha não encontrasse nenhum fundamento que lhes tirasse a santidade.

Como fica a compreensão ética que implica uma intervenção artística, ainda mais se tratando de uma artista escolhida a dedo por Hitler pra ficar à frente das suas imagens de estadista?
Não se trata, sem mais nem menos, de crucificá-la ou absolvê-la - ou a qualquer outro artista em circunstâncias semelhantes-; mas, de colocar a questão da intervenção:
Até que ponto vai a tênue linha que separa uma intervenção que se pretende artística de uma intervenção com teor propagandístico a favor de uma ideologia?
Que papel joga nisso um determinado cenário político? Em que momento exatamente um conteúdo artístico se transforma num conteúdo político?
De uma intenção estética, num primeiro momento, as imagens podem se transformar potencialmente agentes e ganharem a dimensão de monstruosidades a assombrarem a psique coletiva. Pra mim o caso da Leni e o nazismo é paradigmático nesse sentido. E faz questionar o discernimento que cabe ao artista no momento de intervir num cenário político.
- No meu entender Leni Riefenstahl pode até não ter tido ligações formais com o partido político nazista, mas esse não é o ponto. Não se trata de considerar ou julgar suas posições políticas pessoais aqui (ainda que isso não seja irrelevante). E sim atentar para o papel que jogam certas imagens em relação a certos contextos políticos. E como os artistas se posicionam frente às suas intervenções:
a partir de que critério de valor é possível o artista discernir até onde é permitido ir na sua produção de imagens, de modo a não ultrapassar o tênue limite que separa a arte da legitimação de uma ideologia política contrárias à coletividade?
A questão da ética na profissão, a meu ver, tanto está colocada para o político e para o cientista (tal qual a tratou Weber), quanto está colocada, a seu modo, também no campo da arte. Fundamentalmente o artista trabalha com imagens e não me parece que deveria estar isento das responsabilidades que incorrem em seu ofício.
Toda intervenção em arte é política? Seria interessante analisar casos que respondessem positiva ou negativamente a essa questão. Ou a relativizassem.
Quando uma intervenção é irresponsável?
Seria preciso refletir sobre outras questões:
O que são Imagens agentes?
Em que medida é possível relacioná-las com a moralidade (conceitos bem e de mal)?
Depois da obra criada o artista não tem mais controle sobre ela: refletir sobre essa afirmação a partir de 2 autores que trataram dessa questão, divergindo entre si
Em que medida cabe responsabilização do artista pelos devires de sua obra? (a questão da obra e da autoria e sua relação com a ética)
A questão da legitimidade (arte e política)
(o bem e o mal x ideologia)
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Não analisei nenhuma dessas colocações a fundo, mas arriscaria a dizer que não isentaria Leni de responsabilidade. Ou seja, tendo a considerar que mesmo que a obra escape ao controle do artista, ele não é isento em alguma medida de responsabilidade sobre sua autoria. E aí as retratações podem ir desde um "mea culpa" em público, como fez o PAPA na questão sobre a omissão da Igreja Católica em relação ao holocausto, durante a segunda guerra mundial -, até qualquer outro tipo de responsabilização, desde que não incorra em impunidade.
No fundo estamos falando de MORALIDADE: enquanto artista, que implicações morais a minha produção de imagens (intervenção) traz para a sociedade? Aparece aí a tensão INDIVÍDUO X SOCIEDADE.
Entendo essa questão também ligada ao DESEJO e à ÉTICA DA RESPONSABILIDADE: em que medida minha intervenção se liga com o destino da sociedade a que pertenço? E em que medida está colocada a minha responsabilidade nisso?
Não estou ainda certa quanto a isso, mas ...
Não endosso uma aura de "santidade" daquelas imagens documentadas por Leni. Assim como, também, não a isento de responsabilidade de ter participado, ainda que "sem intenção", em prol dos objetivos ideológicos do regime nazista. E, independentemente de, se era sua vontade ou não, se estava consciente ou não dos devires da sua intervenção, não me agrada nada (nunca) uma personalidade alegar ter entrado de 'gaiato no navio' ou não ter tido 'intenção', quando sua intervenção se deu num determinado cenário político com repercussões morais para uma determinada coletividade ou para a sociedade como um todo.
Vemos isso hoje aos montes na política brasileira. A banalização dessas imagens ligadas à corrupção tem um mal muito maior no tecido social do que se pode imaginar. Estão longe de representar ingenuidade, e muito menos inocência. Expõem a impunidade, e minam qualquer parâmetro moral (justiça), agravando a anomia. Ninguém nunca vê nada, nunca sabe de nada em meio aos afazeres do poder, e sempre entra de gaiato no navio ... é o que a impunidade faz: a tragédia de fazer parecer piada o significado da palavra ética para um político. Com o artista e sua intervenção, no meu entender não é diferente.
O artista não tem controle sobre o que vai se tornar sua obra. Talvez eu dissesse: e daí? Será que pode lavar as mãos se em alguma medida interpretamos que suas imagens agentes compõem um cenário perverso? E é essa dúvida que enche de sutileza e gravidade a questão da intervenção. A estética imagética em certos contextos pode funcionar como poderoso mecanismo legitimador de ideologias, ainda que seu realizador não tenha pretendido isso. Pode ser um catalisador de ações em torno dessa ideologia. Então, pra mim, não há espaço para se isentar de intencionalidade essas imagens atreladas ao poder. Elas são mesmo potencialmente agentes. O artista deve estar muito consciente das possibilidades que devem gerar suas imagens, ou arcar com as conseqüências. Não há como fazer imagens de grandiloqûencia como essas sem ter consciëncia da força da produção de significados que ela gera. Não há como se isentar de responsabilidade sob a alegação de que "minha intenção foi só artística". É nessas horas que, no mínimo, um "mea culpa" do tipo que foi documentado n"A QUEDA" faz todo o sentido aqui, e faz sim, no meu entender, toda a diferença!
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frases nada inspiradoras:
- "De boas intenções o inferno está cheio"
- "Não tem reco-reco ... ajoelhou tem que rezar"
- "Entrei de gaiato no navio. Entrei ... entrei ... entrei pelo cano ..."
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