quarta-feira, 16 de maio de 2007

tábuas de ex-votos

"Objectos como estes constituem-se como lição sobre a condição humana, sobre essa extrema fragilidade do homem que ele não consegue vencer com seus recursos, tendo de recorrer então a mais elevados poderes confiados a uma entidade superior.
E é aqui que encontra sentido primeiro a teoria de um universo religioso, qualquer que ele seja, lá onde o homem é sempre ser criado e dependente.
Também é assim no domínio da religiosidade cristã, ela própria herdeira em seu corpo de doutrina de princípios teóricos e de práticas de outras culturas.
E nestas histórias salvíficas, de milagres, o mais eloquente gesto é aquele que se testemunha nas tabuinhas pintadas que já mal se encontram nos muros das capelas e Santuários de grande devoção coalhados delas ao longo de um extenso período que vai do séc. XVII, de limitados registos, ao fim do séc. XIX, já mais despojado".


O que me desanima de ir atrás dessas tabuinhas é que elas não tem nenhuma grande tradição iconográfica por trás delas. Suas motivações figurativas são populares vindas de modelos de tábuas portuguesas. Na colônia sequer são encontradas referências sobre seus artesãos. As informações de cunho histórico-social ainda dá pra espremer na vida cotidiana da colônia e suas representações na hora da morte, mas as ligações com a herança artística européia cristã só mesmo num legado passado a um Ataíde ou Aleijadinho se pode conectar. Então, cadê o espírito de conhecimento iconográfico que essas tabuinhas podem me trazer? Aí desanimo. Mas, quem disse que o referencial é a História? Posso fazer minhas próprias correlações de imagens e significados, é claro.
Tem uma tese que li, da História, na linha de interpretação da Laura de Souza Mello e cia., que vê nessas tabuinhas resistência na hora da morte: um exemplo, são relatos quando o moribundo se recusa a receber o sacramento da extrema-unção. Parte daí pra argumentar a favor das investigações sobre feitiçarias e cultura popular na colônia. O moribundo quer mais viver do que morrer. Prefere a vida na terra com seus bens materiais e carpe diem, do que a promessa de uma salvação no outro mundo. Prefere continuar vivo, em danação. Tem aí também as inscrições mais preocupadas com o 'bem viver' do que com o 'bem morrer'.
A primeira vez que visitei uma sala de milagres fiquei muito tocada com a materialidade que ganham as coisas diante da ameaça iminente de finitude do homem, e da falta de recursos humanos pra intervir sobre uma realidade que se quer diferente. ... o limite entre magia e religião. O ato de oferecer um ex-voto e sua exposição pública questionam o lugar do sagrado. O ato tem muito do que remete à magia e ao sacrifício, só que agora estamos falando de um acontecimento que se dá no contexto de romarias. E o que são as romarias, senão uma devoção popular de cunho mariano, ou voltada a jesus ou aos santos? A devoção mariana marca toda a América Latina, seguida pela de certos santos mais populares, sobretudo aqui no Brasil e, em especial em Minas Gerais. O meu interesse é justamente nessas figuras intermediárias que são os santos e seus milagres. O que nos dizem sobre uma cosmogonia teológica a que esses santos estavam vinculados nas iluminuras medievais, por exemplo? Mas, não são só os santos canônicos. Estamos vivendo uma época de canonizar santos antes não-canônicos. E é essa cultura que está sendo legitimada agora com a canonização do primeiro santo brasileiro essa semana mesmo. Os milagres. O que são os milagres? Como vai isso nas reperesentações que encontramos nas salas de milagres? A imagem ou inscrição ali representada (ou em fotografia ou em escultura ou em carta ...) não participa só de um sistema teológico e de suas representações. As representações da cultura popular é que saltam aos olhos, assim como o cotidiano. Os objetos materiais de uma época. a tensão morte x vida/destino x arbítrio/real x imaginário ... como as representações de imagens salvíficas entram nisso? ... e como o que é cotidiano ganha uma dimensão sagrada ao ser exposto em público? ... o que tem de presença naqueles objetos? Por outro lado me incomoda o corpo gritando naquele lugar! Uma estética da deformação que fala muito mais além ...
Uma vertente da antropologia vai cair de sola no comportamental analisando as romarias. Destrinchando nossas heranças milenaristas na relação entre o sagrado e o político, e a figura de um salvador no imaginário cristão relacionada a um milagreiro. É junto com uma análise sociológica porque se está preocupado com como se motiva uma ação, no caso a romaria. Isso tudo remetendo à identidade de nossas crenças populares, etc., etc, etc... teoria ... esquece a teoria ...

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